quinta-feira, 5 de abril de 2012

SÍNDROME DE DOWN: AS RELAÇÕES E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS



Certa vez me contaram um mito grego, parte da história do herói Teseu, que me fez refletir muito no terror que cometemos em nosso dia a dia. O mito relatava sobre a história de Procusto, um bandido que possuía em sua casa um leito, uma espécie de cama, que tinha exatamente seu tamanho. O homem convidava a todos os viajantes que encontrava a se deitar em seu leito. Aqueles que fossem grandes demais, que ultrapassassem as medidas da cama, eram mutilados, os que fossem pequenos demais para o comprimento do leito, eram esticados. 

Procusto estabeleceu um padrão e exigia que todos se enquadrassem nele. Quantas vezes nossas atitudes não são como as de Procusto? Temos dificuldades para aceitar, de compreender aqueles que não fazem parte do “dito normal”. Assim sofrem os deficientes, muitas vezes “esticados” para acompanharem um modelo pré-estabelecido, como exemplo de nossos alunos com déficit mental, que necessitam de mais tempo e paciência, outras vezes “amputados” por estarem além dos resultados esperados, como é o caso de alunos superdotados.

Deixando um pouco de lado a questão do preconceito e dos obstáculos enfrentados pelos alunos deficientes, o objetivo deste post é discutir como a criança com Síndrome de Down aprende e percebe as relações espaciais.

Segundo Perez (2005), 

[...] A noção de espaço é uma estrutura mental que se constrói ao longo do desenvolvimento – desde o nascimento da criança até a formalização de seu pensamento – por meio de um processo complexo e progressivo, que implica a mediação constante do adulto que a cerca. (p. 25)

Como podemos verificar, a autora destaca a importância da mediação do adulto no processo de formação da noção de espaço na criança. Os estímulos são importantes e necessários para que a criança compreenda, a partir de seu nascimento, os símbolos do mundo e as primeiras relações topológicas (espaço próximo). 

Com alunos com déficit mental não é diferente. A noção de espaço e das relações espaciais deve obedecer às etapas e os níveis de desenvolvimento cognitivo de cada criança, seja ela deficiente mental ou não. Ou seja, não podemos desconsiderar o estágio cognitivo do aluno com síndrome de down, entretanto também devemos acreditar nas potencialidades dos nossos educandos, deficientes ou não.
Paganelli, Antunes & Soihet (1981) apontam que “são as relações espaciais que permitem a construção e a representação do espaço”. Alertamos que essas relações seguem etapas, que devem ser seguidas levando em consideração o desenvolvimento cognitivo da criança:

Relações Espaciais Topológicas:
Amorin & Amorin (2009) salientam que as relações do espaço topológico “constituirão a base para o desenvolvimento de relações espaciais mais complexas”. Essas relações constituem do desenvolvimento do espaço próximo da criança. Representam os referenciais básicos que envolvem as noções de dentro, fora, ao lado, na frente, atrás, perto, longe. No plano da percepção, obedecem à ordem da vizinhança, separação, ordem, envolvimento e continuidade.


Proximidade






Separação






 Ordem





 Inclusão


Continuidade


 (adaptado de Martinelli, 2010)

Uma criança com síndrome de down que não conseguir estabelecer as relações espaciais exemplificadas acima, dificilmente conseguirá compreender as relações espaciais mais complexas, como as projetivas e euclidianas (exemplificadas mais detalhadamente a seguir). Cabe aos pais e educadores estimularem no sujeito, no caso a criança com Síndrome de Down, as primeiras relações topológicas. 
Destacamos que um professor, da escola regular, por exemplo, não necessita modificar o currículo para se adaptar ao deficiente, entretanto deve compreender que os currículos devem ser flexibilizados ao ritmo de aprendizagem de cada aluno, deficiente ou não.

Relações Espaciais Projetivas
Experimentado as relações topológicas, o educando estaria preparado para as relações espaciais projetivas. Essas relações permitem a coordenação dos objetos entre si num sistema de referência móvel, dado pelo ponto de vista do observador. Vejamos alguns exemplos:
(adaptado de Martinelli, 2010)

Sendo assim, assimilado as relações projetivas, o educando seria capaz de compreender, por exemplo, o conceito de localização a partir das direções cardeais (orientação):

(adaptado de Martinelli, 2010)


Relações Espaciais Euclidianas ou Métricas
Simultaneamente ao espaço projetivo, surge o espaço euclidiano, quando o educando já tem a capacidade de fazer relações métricas. Por exemplo, deixa de considerar apenas as noções de direita e esquerda para considerar certa distância à direita/à esquerda.
Assimiladas as relações euclidianos o aluno já estaria preparado para proceder aos seguintes conceitos:
a) Localização pelas distâncias: Coordenas Geográficas, primeiro passando pela idéia de sistema de coordenadas e depois avançando para as coordenas geográficas propriamente ditas.
Sistema de Coordenadas 

Coordenadas Geográficas (no planisfério)
(adaptado de Martinelli, 2010)

b) A representação do espaço. Na sua representação, os elementos do espaço são dispostos em visão vertical, de cima para baixo.


(adaptado de Martinelli, 2010)
c) Construção do símbolo. É o momento da simbolização. Para representar os elementos do espaço se usam símbolo.




(adaptado de Martinelli, 2010)



d) Construção do conceito de Escala: redução proporcional.


 (adaptado de Martinelli, 2010)

Salientamos que, tanto nas relações projetivas quanto euclidianas, os conceitos tornam-se mais abstratos. O deficiente com síndrome de down associada a alguma habilidade cognitiva abaixo da média, possuirá algumas dificuldades em relação a esses conceitos, entretanto estímulos, atividades práticas e mais concretas ao cotidiano do aluno, somadas à paciência e a credibilidade ao potencial do educando, podem levá-lo a assimilação de tais conceitos.
Destacamos também que o que se pretende com o ensino de geografia para deficientes com Síndrome de Down, desde as séries iniciais, é a construção da noção de vida em sociedade. Para Paganelli:
 Essa construção é feita a partir das vivências e experiências concretas dos alunos, associando-se o vivido ao conceitual, e a vida cotidiana à vida escolar, de modo que eles compreendam a vida social como um todo e não como um conjunto de fatos isolados.
Para finalizar, gostaria de deixar algumas contribuições de Amorim & Amorim a respeito do tratamento com crianças com Sindrome de Down: 
  • As crianças com Síndrome de Down apresentam com freqüência alguns problemas e doenças como má formação cardíaca, má formação do intestino, deficiência imunológica, problemas respiratórios, problemas de visão e audição, problemas odontológicos. Em todos esses casos, é conveniente que a família busque tratamento adequado. 
  • Embora haja atraso no desenvolvimento motor, a criança com Síndrome de Down pode executar tarefas simples no seu dia-a-dia. Porém, o déficit mental não permite a realização de problemas muito abstratos. 
  • A maioria dessas crianças apresenta temperamento dócil, não sendo agressivas. No entanto, são hiperativas, tendo a teimosia e a birra como parte do seu comportamento. 
  • A família deve evitar a superproteção, mostrando-se firme na disciplina e na educação, ensinando à criança com Down como ensinaria a uma criança normal. 
  • No entanto, não basta apenas o esclarecimento da família sobre as possibilidades de desenvolvimento de uma criança com Síndrome de Down. É preciso que toda a sociedade passe a “enxergar”, de fato, as pessoas como elas são, dando-lhes possibilidades de ter uma vida digna, com respeito, alegria e paz. 

SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS:

TEXTOS:

AMORIM, F. C., AMORIM, C. C.: O ensino da Geografia numa escola com alunos especiais: síndrome de Down e a aprendizagem das relações espaciais, 2009. (Link do texto)
PAGANELLI, T. Y; ANTUNES, A. R.; SOIHET, R. A noção de espaço e de tempo: o mapa e o gráfico. Texto escrito para professores de 1º a 4º séries. Rio de Janeiro, 1981.
BATISTA, Cristina Abranches Mota. Educação inclusiva: atendimento educacional especializado para a deficiência mental. [2. ed.] - Brasília : MEC, SEESP, 2006. (Link do texto)

LIVROS:


Síndrome de Down : Relato de um Pai Apaixonado
Autor: Marcelo Nadur Editora: Global Editora, 2010.

Ideias de estimulação para criança com Síndrome de Down: Brincando e se desenvolvendo em casa
Autores: Josiane M. Bibas & Ângela M. Duarte Editora: Autores Paranaenses, 2009.

Síndrome de Down de A a Z.
Autores: Josep Maria Corretger, Agustí Serés,Jaume Casaldàliga, Ernesto Quiñones, Katy Trias. Editora: Saberes Editora, 2010.

FILMES:


O garoto selvagem (L'enfant sauvage). 
Diretor: François Truffaut, 1993.

Meu nome é Radio (Radio). 
Diretor: Michael Tollin, 2002.

O Oitavo dia (Le Huitième jour).
 Diretor: Jaco Van Dormael, 1995.

Simples como amar (The Other Sister). 
Diretor: Garry Marshall, 1999.

Nenhum comentário:

Postar um comentário